sábado, 10 de dezembro de 2011

TRÊS POEMAS DO LIVRO RUMOR DE VENTO

SEIXOS BRANCOS


Não jorram como fontes
nem correm em  fio
qual lágrimas:
seixos brancos e lisos
as palavras se afundam
nas espessas águas
do rio que atravessa
o meu coração.

Não me consola mais
dizer
rouxinol, pomar
fonte, sino, roseiral
penhasco, cereja, chafariz
moinho, concertina, pinhal
praça, guitarra, alecrim
ribeira, rosmaninho.

As palavras já não me aquecem.
Às vezes digo aldeia
e o silêncio paira
pluma que se perde
sobre a neve...


***

ACALANTO PARA MANUEL

Assim que o sol vai dormir
com edredom bem fofinho
entre nuvens de cetim
mando chamar estrelinhas
com pós de pirlimpimpim:
com elas teço cantigas
aos teus sonhos
serafim.

Peço aos anjinhos do céu
que cantem bençãos pra ti.
Depois, quando vem a lua,
linda lua de marfim,
nela embalo teu soninho
com doçuras de alfinim.

***

 SIGNOS

...livro aberto
na mesinha de cabeceira
portajoias
caixa de música
xícara
sobre a mesa
vidro de perfume
anel
retrato
vestido sobre a cama
coisas
tantos e tantos signos
da engrenagem da vida
gestos expostos
emoções à deriva
espalhados
na pressa
da partida.


( in RUMOR DE VENTO, Panamérica Nordestal Editora
Recife/2009)

sábado, 15 de outubro de 2011

LEITURAS

AS VIAGENS GERAIS DE CELINA DE HOLANDA



Viagens Gerais, poesia

Celina de Holanda

Fundarpe / Cepe

Recife, 1995, 370 pgs.



Desde  O Espelho e a Rosa ( estréia,1970), até Afago e Faca ( inédito por vários anos e agora publicado nesta coletânea), a obra de Celina de Holanda vem se construindo sobre as premissas que lhe deram origem: a luz e a sombra, o jardim e o interior, o consciente e o inconsciente, a intuição e o conhecimento. Por outras palavras: sobre o universo mágico do Engenho Pantorra, onde viveu a infância, entre as histórias dos pretos velhos e os livros da biblioteca da casa, sempre atualizada:



Chego às janelas da noite

Meus olhos buscam o que era (...)



O poema de Celina que serve de pórtico ao livro não poderia ter sido melhor escolhido, pois é também uma espécie de mapa que, à partida  para estas Viagens, desvela ao leitor  as gerais intenções das mesmas: 



Viajo pelos livros que faço

Mas sempre torno

Para  escreve-los

Onde a vida é uma menina

Chorando

Entre moitas.



A afirmativa da autora faz-nos concluir que, nela, a escrita, mais do que um mecanismo lírico de regresso ás origens, é a própria forma de subverter os limites cronológicos: escrever é voltar ao antigo cenário bucólico,



... onde havia as águas caindo

 na rampa da cachoeira

parecendo lençol branco

 por entre espumas fugindo(...)

 passando rente na mata

 onde gritava o pavão (...) pág.95.



Nesse alumbramento das águas despencando em vertigem, abismo de espuma fugitiva, a poesia a tocou, escolhendo-a para a sina de dizer os sentimentos. Na verdade, a poesia chegou à vida de Celina com a naturalidade com que, pela manhã, chegavam os pássaros às  varandas da casa da infância. Varandas que, de resto, também se abriam para o poço fundo das suas inquietações:



Um espelho e seus dois lados

Réptil e pássaro

O que somos.(...)

Para onde essas rotas de vôo

Se abrem e se apagam?

Dessa vivencia telúrica da zona da mata pernambucana e, por certo, da convivência com o chão de barro plasmável ,no qual moldou seus versos, lhe ficou o gosto pelo simples e essencial:



Que tudo em si lembrava

Madressilvas

Malvas cheirosas

Verdes moitas

Manhãs

Frescor e orvalho.



Luminosa, com o despojamento e a grandeza das pequenas coisas, a poesia de Celina de Holanda brota com a naturalidade das fontes -  espontaneidade    que não é fácil alcançar. Um poeta espontâneo português, Manuel da Fonseca, confessa: ”Ser espontâneo dá-me muito trabalho”. Isso porque, a  simplicidade do texto poético não se confunde com pobreza ou acaso. Na  leitura desta recolha da obra de Celina, percebe-se que ela conseguiu harmonizar a sensibilidade e a percepção com um sexto sentido estético, equipamentos que, mesmo fazendo parte da bagagem genética do poeta, só se aprimoram com leitura e exercício da escrita, somados ao sábios filtros da vivencia e do tempo.

Quanto à  temática da   sua  poesia, o título de um dos seus últimos livros  já referido – Afago e Faca – é  metáfora e síntese. Sem dúvida, a trajetória da poetisa tem se firmado sobre essas duas bem definidas vertentes. Solidários,

 o tema social ( faca) e o tema afetivo ( afago) se entrecruzam continuamente. Assim, sem conseguir compactuar com a injustiça social, ou com o desconforto emocional diante de uma realidade que agride os seus princípios cristãos, Celina toma a palavra, com energia e veemência:



Ouço o povo numeroso de Deus.

(...) Ouço as portas.

É o clamor do povo de Deus, abrindo-as. (pág.190)



Todavia, a  meu ver, a  grande força da sua poesia acontece nos poemas de tom elegíaco: aí cresce e se dilata, despindo-se do circunstancial e ultrapassando  limites geográficos  e temporais:



Tudo já aconteceu. Coloca a insígnia

(primado do sinal) sobre o meu peito

E um penso de amor sobre esta chaga.

Escuta o pássaro

Rolando

Como um jornal velho, rasgado,

A asa da ascensão cortada. Sua beleza

Guardarei sobre o meu corpo

Como um fruto

A que se tira a casca.

Mas

Dá-me um pouco da tarde onde ficamos.



(Publicado no jornal literário O PÃO, Fortaleza/Ceará, junho,1996)


Nota: Celina de Holanda nasceu no Cabo, Pernambuco, em 1915 e faleceu no Recife em 1999.






  






sábado, 3 de setembro de 2011

HOMENAGEM A MARIA DA PAZ RIBEIRO DANTAS POR OCASIÃO DA SUA PARTIDA

MARIA DA PAZ RIBEIRO DANTAS,  ensaista e poetisa, faleceu  subitamente, de enfarte fulminante, no passado dia 01 de setembro. Natutral de João Pessoa, estava radicada no Recife desde a sua juventude. Com amizade e profunda admiração, em sua homenagem, trancrevo uma singela resenha que escrevi, quando da publicação do seu livro de estréia.

AS PONTES VOARÃO SOBRE OS RIOS
(Sol de Fresta, Poesia- Maria da Paz Ribeiro Dantas/Edições Pirata/Recife, 1980)

 Maria da Paz Ribeiro Dantas (paraibana, radicada em Pernambuco), não reuniu ao acaso os quarenta e quatro poemas que compõem o seu livro de estreia. Sem dúvida, a força de SOL DE FRESTA deve-se, em parte, ao fio condutor  interligando  os poemas, que se sucedem em contínua correspondência. Em seus pretextos líricos, o insistente uso de signos como  pássaro, asa,  vôo, a recorrente  utilização de verbos de movimento  - ir, dançar, transpor, sair e, em especial, do verbo libertar – apontam para o tema central da sua problemática: a liberdade.
Eis alguns passos de Sol de Fresta, eloquentes exemplos do que acima foi dito:
Página 10: “ As pontes voarão sobre os rios...”
Pág. 31: A tarde/ grávida de pássaros/ cumpre seu destino de asa (...) E a foice da lua/ cortando cordas de âncoras/libertando  navios para o abraço dos ventos(...)
Mesmo quando não se serve de imagens  claras de  voo, o movimento surge na poesia de Maria da Paz Ribeiro Dantas. No poema que abre o livro, os girassóis têm vida “ e vão em bando pela estrada”. Isto porque, no  caleidoscópico universo da poetisa nada está  em repouso. A própria paz, para ela, é violenta:
Consumo-me
Na oferenda ao arco-íris.
Entrego-me ao inexorável golpe
De sua violenta
Paz.
Dirigindo às coisas que a cercam um olhar atento, anima-as com a própria vida, dinamizando-as, tornando-as livres de sua condição inanimada. Assim,   a autora consegue  estabelecer uma ligação entre os objetos inamovíveis e as suas próprias vivencias, realizando, desse modo, aquilo que, no meu entender, constitui uma das finalidades da poesia: harmonizar os vários elementos que compõem a sinfonia cósmica.
Ao captar a realidade submersa, Maria da Paz liberta, inclusive, as vozes do  silêncio:
Na manhã de ontem uma árvore transpôs o próprio silencio e começou a chover folhas sobre o /asfalto
Eu vi uma árvore chorando . ( pág. 22)
Uma laranja, um peixe fóssil, uma escova guardada na mala da infância – tudo serve de alvo ao trajeto lírico da poetisa  em  busca do essencial , do ilimitado.
Um desassossego fecundo a leva a recriar ausências, em versos de profunda intensidade:
Remoto país da infância
Onde ir buscar os dias
Palpitando atrás de que parede?
Na alvorada de um poeta, Sol de Fresta abre espaços para o voo sem fronteiras de Maria da Paz Ribeiro Dantas.
(escrito em Lisboa , no fim do inverno de 1980 e publicado no Diário de Pernambuco em 23/03/1980)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

HOMENAGEM AO POETA MAURO MOTA


NO CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO ( 16/agosto/1911)
Tive o prazer  e a honra de conhecer Mauro Mota  no   final dos anos setenta, quando comecei a aparecer nas rodas literárias do Recife. Mauro gostava de  frequentar o Clube Alemão, na Estrada do Encanamento, entre  Casa Amarela  e Parnamirim. Em certos dias da semana, ao  fim da tarde , lá se encontrava com outros poetas e escritores, e foi numa desses  encontros  de poesia que o conheci.  Depois, algumas  vezes , nos cruzamos  na rua do Imperador, ele a caminho do Arquivo  Público  ( onde era Diretor)  e eu do Gabinete Português de Leitura,    que Mauro Mota   frequentou assiduamente.   Mais tarde, deu-me  a  alegria de  escrever, um  breve  mas valioso comentário  acerca da minha poesia  , no Diário de Pernambuco.
Mauro Mota faleceu no dia 22 de novembro de 1984. Nesse dia estava eu  em  Juiz de Fora (MG), para assumir o meu lugar de sócia correspondente na Academia  de Letras  daquela cidade. No início da sessão, prestei-lhe emocionada homenagem, tomando-o como meu padrinho e recitando uma das suas elegias.
Mauro Mota foi membro das Academias Brasileira e Pernambucana de Letras  ( sendo, desta última, presidente durante vários anos).
A obra de Mauro Mota atravessou fronteiras, com poemas traduzidos em inglês, italiano e  espanhol.
Da “Antologia  Didática de poetas pernambucanos” (1988, org. por Ézio  Rafael , Cremilda  de Matos e Izabel M. da Silva ), transcrevo um trecho e a seguir o poema referido no mesmo:
Poeta profundamente identificado com a paisagem, as ruas, os costumes e os valores de sua terra, procurou, no entanto, numa simples descrição de uma rua, como a Rua do Crespo, por exemplo, dar-lhe sempre uma transcendência lírica universal”.
No  centenário do nascimento de  Mauro Mota ,(16 de agosto de 1911),  deixo aqui registrada a minha homenagem a esse grande poeta brasileiro, com a minha profunda admiração.
RUA DO CRESPO (1870)
( Em desenho de Scklappritz)
                              MAURO MOTA
Lojas  vestindo anáguas:
As marquises de pano.
Dois cachorros sem dono
Mordem o primeiro plano.

Um soldado a cavalo
O que tanto vigia?
Ah, se prender pudesse
Esse tempo e esse dia!

Agitam-se as parelhas
Ao  sinal do boleeiro.
Para onde a diligencia
Conduz os passageiros?

Onde estão os meninos
Daqui, que não  escutam
 O pregão das escravas
Com sequilhos e frutas?

Os lampiões em fila
São, de longe,  pedestres
Magros, andando  retos
Para a igreja no fundo.

( Um homem  prevenido
Abre  o seu guarda-roupa).
Vem caindo a neblina
Das varandas na rua.


sexta-feira, 22 de julho de 2011

DOIS POEMAS ANTIGOS

DUPLA

Presente aqui.
Ausente além.
E vice-versa, sempre.
Assim tão dupla
é que sou inteira.

ECO DE GONÇALVES DIAS

Minha terra tem coqueiros
onde pousam rouxinóis.
Minha terra tem pinheiros
onde canta o sabiá.
As aves das minhas terras
cantam lá e cantam cá
sempre ao inverso de onde
as deveria escutar.

(Poemas publicados no Suplemento de Cultura do Jornal do Fundão,Portugal,
em 4/5/90 . inéditos em livro,  encontrados casualmente numa pasta antiga.)

domingo, 8 de maio de 2011

CARTA À MINHA MÃE

Esta madrugada liguei para ti :
Chamou, chamou
e  ninguém atendeu.

De repente veio a chuva
dialogar na vidraça.
Do retrato antigo
escapou o teu sorriso.
 Maria de Lourdes Hortas
 in RUMOR DE VENTO/2009, Recife
Editora Panamérica/Nordestal

domingo, 17 de abril de 2011

UM BEIJO E UM SABIÁ

Conhecemo-nos na fila do ônibus, pela manhã. Ele ia para o colégio de rapazes, e eu para o de meninas. Eu terminava o curso ginasial, tinha catorze anos. Ele, um pouco mais velho, certamente cursava o  científico, era baixinho, mas  lembrava  Robert Wagner, meu galã de cinema  preferido.
Todas as manhãs, o  encontro  fugidio  de nossos olhos  descompassava-me o   coração. Até que , numa  manhã de maio, em meio à chuva, já dentro do ônibus, ambos ensopados, ele,  num rasgo de coragem,  cedeu-me o  lugar, para que eu me sentasse. Foi  como se um sol radiante entrasse pela  janela!  Sentei-me, a  bolsa dos  livros   no colo. Percebi que ele procurava ver o meu nome  gravado na pasta. Leu  em voz alta:   Maria de Londres?
- Não, de Lourdes.
Todo o silencio desabava sobre o mundo   como cacos de cristal e arco-íris.
E o nome dele? Não tive coragem de perguntar. Era assim naquele tempo. As meninas tinham recatos cor de rosa, que hoje parecem  impossíveis e  inexplicáveis.
Depois do episódio do ônibus, veio o segundo capítulo:  todas as tardes o rapazinho   passeava de bicicleta  em frente à minha casa,  dava-me  adeus e desaparecia mais  à frente. Morávamos  então num  sobradinho com  varanda. Por volta das quatro horas, depois do banho, com o cabelo ainda molhado, eu gostava de ficar na sacada, qual musa  medieval,   pegando brisa e olhando o céu, à espera da  lua, ou das primeiras estrelas. Fui percebendo que,  todos os dias, no mesmo horário,  ele surgia ao longe, saindo do quintal de uma casa  no fim da  rua. O ritual era sair de lá e  subir a rua , passando em frente à minha casa e mais à frente dar a volta e  regressar, entrando novamente  no quintal , sumindo entre as árvores  de onde viera. Isso,  dias a fio, semanas... Numa dessas tardes, deteve-se um pouco sob a sacada, sorriu – tinha um sorriso luminoso! -  e apontou para o cano da bicicleta, como se me convidasse para um passeio. Virei as costas, enfurecida, ofendidíssima  : que  ousadia!
Todavia continuava nosso lírico romance:  às  tardes, eu ficava na varandinha e ele   passava, para lá e para cá. Nas manhãs , prosseguiam os   breves e casuais  encontros na fila do ônibus.
Até que veio junho , mês de muitas festas.
Meu pai achou que já era tempo de  levar-me ao  São João no Clube Português. Minha  mãe ficou em casa, com minha irmã,  porque , mais moça  do que eu dois anos, ainda não podia  frequentar festinhas noturnas. Naquela  época havia  tempo certo para tudo. Sem revolta, os rituais eram cumpridos.
Na festa, completamente deslocada, seguia o  meu pai, que  visitava  as mesas de alguns amigos  patrícios. Logo me  arrependi  de ter saído de casa. Afinal, para quê? Mas, de repente,tudo mudou:  lá estava ELE, meu fã, como se dizia então. ( Hoje se chamaria paquera. Mas esse termo surgiu muito mais tarde.) Meu pai e eu estávamos  descendo a  escada, de mãos dadas,  quando  " aquele” menino  passou  no corredor, ao fundo da escadaria. Sorriu e fez um gesto, convidando-me  para dançar. Tive vergonha de pedir ao  meu pai. Confusa, fingi não entender o convite, olhei para o outro lado, não sei se  aflita,  feliz, ou infeliz...
E assim a  festa foi passando  por mim, até que os fogos espocaram e  senti que o sereno da noite molhava o meu coração.
Poucos dias depois veio a festa de São Pedro, no mesmo Clube. Por ser à  tarde , minha  irmã pôde ir. Essa festa, sim, foi maravilhosa:  passeávamos as duas  em  volta do salão de dança   com algumas  amigas do Colégio e, de repente, ELE chegou  junto de mim.
Foi a primeira vez que dancei com um rapaz. Naquele tempo  rapazes e meninas  dançavam enlaçados, dança lenta, como diziam mais tarde os meus filhos, e hoje já nem sei se alguém dança assim. Ele tinha um hálito gostoso,  cheiro de cigarro e  chiclete de hortelã. Seu paletó era áspero. Pouco mais alto do que eu, seu queixo quase se apoiava na minha cabeça,  podia sentir a forte  respiração dele passando sobre o meu cabelo como brisa morna.
Minha mão , gelada, aos poucos foi aquecendo ,  e logo nossas mãos  estavam escaldantes.
-Meu nome é  Dilson Carlos.Está gostando da festa?
Não sei o que respondi. Ouvia-o, num sussurro, como se me falasse de muito longe:
- Faz tempo que  a gente se olha...Gosto do seu jeito. A gente podia conversar mais  vezes...
-Já estamos conversando, consegui  responder.
-Quero  dizer, como namorados.
Assustei-me com a proposta inesperada e também porque do  outro lado do salão meu pai já nos procurava   ( a mim e a minha irmã). Em alvoroço despedi-me. O mundo tinha mudado de cor.

Poucos dias depois  a minha família foi convida para  a festa de 15 anos da filha de um amigo do meu pai. Minha mãe fez-me um vestido especial, de  cassa cor de rosa, com decote nas costas e um enorme  laço na cintura, atado atrás.
Dilson  Carlos  foi a primeira pessoa que vi, mal cheguei ao portão. Dançamos toda noite. Arrepiei-me  quando  seus lábios roçaram suavemente  a minha testa, na raiz do cabelo. Seria um beijo?
Ele perguntou-me: Então, pensou direitinho? Fiz que não entendi.(  Era de bom tom  se fazer difícil) .  Ele insistiu: Estou perguntando  se quer ser  minha namorada...
Não dava mais para desconversar.  - Está certo.
Marcamos para a quinta-feira,  às quatro da tarde, quando eu voltasse da aula de piano.
Lembro-me bem:  eu usava  um vestidinho que eu mesma costurei,  de xadrez , com uma gravata de fustão  branco. (Tenho uma foto com esse vestido. Deve andar por aí, perdida em alguma gaveta).
Pedi instruções à minha mãe:  como era namorar? Que tipo de conversa era a dos namorados? Minha mãe não se conteve, riu para valer, ora, minha filha,  é  uma conversa como outra qualquer...
Esperei  o meu primeiro namorado, no primeiro encontro, à porta do sobradinho. Ele chegou muito arrumado,  camisa bem passada, cabelo  com brilhantina e o mesmo cheiro bom de chiclete de hortelã.
Olhamo-nos por uns momentos, em silencio,  ambos sem jeito. Nesse tempo não havia o costume de  amigos de sexo oposto se beijarem. Ansiosa  para quebrar o gelo,, sugeri:
- Comece...
Dilson deu uma gargalhada. Eu também.  Depois disse  que  tinha 17 anos e   daí a um ano  faria vestibular para  medicina... não me lembro o que lhe contei de mim. Só sei que antes de meia hora de conversa  já não tínhamos mais assunto. Então  nos despedimos, marcando  para nos vermos novamente na quinta-feira seguinte.
Muitos encontros se sucederam, até que ele pegasse na minha mão. Algum tempo  depois completei 15 anos.Logo  a seguir   comemoramos  seis  meses de namoro.  Dilson Carlos deu-me de presente uma gaiola com  um sabiá. Só então   aconteceu o nosso  primeiro beijo de amor.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

comentário do poeta pernambucano José Terra

 
"Belo poema, Lourdinha!
 Revisitação  retrata bem a sua poesia
 lírica e livre como uma rosa e uma primavera
 e como sempre, com o traço marcante de sua linguagem:
 a elegância.
 Que seu blog tenha vida longa
 assim como tem a sua poesia
 Parabéns pela simplicidade e beleza! "
 do seu leitor e fã
José Terra

sexta-feira, 25 de março de 2011

REVISITAÇÃO

1. ROSA/ROSAE

Não haveria a rosa
se entre as rosas
não existisse a rosa
mais antiga
essa rosa-raiz
rosa-semente
inevitável rosa
sempre ardente
há milenios se abrindo e se esfolhando
entre a rosa da aurora
e do poente.

2.PRIMAVERA

São asas de mil pássaros
esses bandos de rosas
que partem, revoando
cumprindo  seu destino
de rosas que, abertas
floriram seu instante
minutamente belas.

( in Dança das Heras/ Ed. Átrio, Lisboa,1995)

quarta-feira, 23 de março de 2011

UM POEMA DE SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

UM DIA

Um dia, mortos, gastos, voltaremos
a viver livres como os animais
e mesmo tão cansados floriremos
irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
dos gestos agitados, irreais,
e há-de voltar aos nossos membros lassos
a leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
através do mistério que se embala
no verde dos pinhais, na voz do mar
e em nós germinará a sua fala.

( Do livro DIA DO MAR, Lisboa /1947)


                  Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto,
 mas viveu a maior parte da sua vida em Lisboa.
 É considerada pela crítica como
a maior poetisa de Portugal até hoje.
Teve forte atuação política.
 Foi deputada.
Faleceu em 2004.
Pela sua grande afinidade com o mar
há poemas seus inscritos
 nas paredes do Oceanário de Lisboa.

terça-feira, 22 de março de 2011

Diário de Aldeia

Bailia


Bateste-me à porta
Tresloucada amiga:
De onde vens velida?

Bailemos, amiga,
A tua cantiga,
Pelo monte afora.

Bailemos agora
Por vales floridos
Ó chuva perdida.

Brunindo os cajus
E as mangas, bailemos
Lavando as faianças
Das folhas
Dancemos.

Ó chuva benvinda,
Bailemos agora
Por vales, por serras,
Pelo mundo afora.
(in Fonte de Pássaros, 1999)

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22/3/2011
A cerca de jasmins escorre chuva
 perfume intenso acordando o sol.


A rosa da manhã desfolha-se luminosa
diluindo o  silencio entre água e luz.

O flamboyant contou seus segredos ao vento
que os semeou na relva do jardim.