sexta-feira, 25 de março de 2016

NOVA JERUSALÉM UM PALCO DE SETE HECTARES



(publicado na revista ITINERÁRIO, Coimbra/ Portugal , 1969)

Fim dos anos sessenta, no Nordeste do Brasil.
No roteiro do turista que passe por estas plagas , uma visita á cidade de Nova Jerusalém é obrigatória.
Saindo do Recife, ele atravessará a Serra das Russas, passando por Gravatá ( conhecida como a  Suíça pernambucana) e por Caruaru, terra do famoso  ceramista mestre Vitalino, que modelou os tipos característicos da sua terra. Mais alguns quilômetros de cactos e mandacarus e sentirá a fusão do calor e do silêncio, num mundo   exótico  e surpreendente. Pedras agudas formam os montes. A terra é seca e arenosa. Arbustos são a única nota verde-cinza  e o sol cai à vontade sobre toda a paisagem, sem sombra que o detenha: eis Fazenda Nova, lugar cujo mérito, até alguns nos atrás, era possuir águas alcalinas.
O  turista decepciona-se: então, percorreu léguas e léguas para encontrar uma estaçãozinha de águas e um hotel cuja única beleza consiste numa piscina onde andorinhas descem para se banhar?
Prossegue viagem. Envereda  por caminhos de cabras. Chega à muralha de Nova Jerusalém  e contempla a concretização de uma utopia.

A UTOPIA DE PLÍNIO PACHECO

Foi Epaminondas Mendonça quem jogou a primeira semente   do sonho. Leu numa revista que, numa vila da Baviera, durante a Semana Santa, a Paixão de Cristo era encenada nas ruas pelos seus habitantes. A ideia de fazer algo parecido em Fazenda Nova surgiu e não o abandonou. Assim, em 1950, nas tortuosas ruas da pequena cidade, aconteceu   a primeira representação do Drama do Calvário, com um elenco heterogêneo, composto pela família do próprio Epaminondas, e por lavradores  e  carregadores de água da região.
A encenação alcançou um realismo impressionante. Repetida nos anos seguintes, logo se tornou tradição. E, em 1962, mil e duzentos espectadores invadem Fazenda Nova, deslocando-se atrás dos atores que ressuscitam a epopeia cristã.
Já então um plano fantástico se delineava na mente de Epaminondas: reconstituir uma Jerusalém semelhante o mais possível à da época de Jesus, com o objetivo de dar ao espetáculo condições de máxima realidade.
O homem capaz de se embrenhar nessa aventura teria de ser um visionário ou um romântico, um bandeirante ou um bravo. E ele surgiu na pessoa de  Plínio Pacheco : casando-se com uma filha de Epaminondas Mendonça,  logo abandonou a farda da força Aérea Brasileira, despediu-se do barulho das redações dos jornais e foi morar em Fazenda Nova.

DO PROJETO À REALIDADE

Adquirindo o terreno de 70.000m2 ( um terço da área murada da velha Jerusalém), cactos e pedregulhos foram dando lugar a edifícios e casas no estilo da época de Cristo. Com base em pesquisas históricas e plantas feitas, entre outros, por Ana Gonçalves, Walter Macedo, Frederico de Holanda, Ubirajara Galvão e pelo próprio Plínio Pacheco, o projeto que parecia irrealizável foi se transformando em sólida realidade de granito. No momento ( 1969) construíram-se já os palácios de Asmoneus e  o de Herodes, o Forum de Pilatos, o templo, o tribunal de Caifás, o Cinédrio e o cenáculo. Ao lado deles, surgiram os arruados da Via sacra e, nos arredores, réplicas do Monte das Oliveiras, Fonte das Virgens e  Santo Sepulcro.
Este palco de sete hectares – hoje o maior palco ao ar livre do mundo – será fechado por uma muralha de pedra bruta, com sete portas, das quais, uma já concluída, serve de entrada para o recinto.
Plínio Pacheco, que passa o dia numa das casas do arruado da Via Sacra, recebe o visitante,  oferece-lhe água e sucos,  e tem gosto em contar a história de Nova Jerusalém.
Foi aí que me recebeu e  me contou tudo o que escrevo neste texto, explicando que os edifícios construídos não servirão  apenas como palco do grandioso espetáculo anual. Em breve, periodicamente, ali acontecerão  festivais de teatro grego, de dança, de canto coral, de cinema. Também  pretende movimentar cursos, conferencias e exposições. Tudo isso visando tornar Nova Jerusalém um centro atuante de cultura, dinamizado por uma colônia de férias, que aproveitará as próprias casas e palácios da cidade-teatro, propiciando a artistas, jornalistas e gente ligada à cultura uma hospedagem paga, em parte, com exposições de seus trabalhos e promoção de cursos e conferencias.
Por outro lado, o aspecto social não foi esquecido: atualmente uma escola para crianças funciona no palácio de Asmoneus, mas, no futuro, serão instaladas escolas artesanais e de alfabetização de adultos.

O ESPETÁCULO PROPRIAMENTE DITO
Desde aquela representação despretensiosa de 1950 até hoje, o espetáculo cresceu muito. Nele colaboram centenas de pessoas, desde técnicos, atores, um coral de 50 vozes, um conjunto de danças clássicas e extras requisitados entre os habitantes da cidade. Os figurantes, cerca de quinhentos, envergam um guarda-roupa especialmente desenhado e confeccionado para a peça.
O desenvolvimento das cenas tem início na quinta-feira á noite, com o Sermão da Montanha. Os espectadores, por 3 horas, seguem os atores e os extras e a eles se misturam, no Templo, no Cenáculo, no Horto, no tribunal de Caifás.
Na sexta-feira, também à noite, o espetáculo prossegue, desde o Forum de Pilatos até o Calvário, onde se assiste, num ambiente trágico, à crucificação de Jesus, terminando com a grandiosidade da ressurreição.

CONVITE
Quando passar pelo Recife, mesmo que não seja época de Semana Santa, não deixe de atravessar o agreste pernambucano para   conhecer a Nova Jerusalém. Lá encontrará um homem com pele de bronze e pulso de ferro. De bermudas e chapéu de palha, confunde-se com os operários que, indiferentes à inclemência do sol, com suas ferramentas primitivas, arrancam da pedra os capitéis do sonho: trata-se de Plínio Pacheco, uma espécie de profeta moderno, que lhe abrirá a sua Nova Jerusalém, exemplo de persistência, de fé e de milagre.


Nota da autora: da época em que o artigo acima foi escrito, até hoje, muita coisa mudou em  Nova Jerusalém. Por exemplo: atualmente o espetáculo  ocorre num só dia, repetindo-se de quinta a domingo; em geral  tem como ator principal um astro das novelas da  TV, que se renova todos os anos. Abaixo , como atualização, transcrevo  algumas informações, recolhidas no  site  de Nova Jerusalém.

NOVA JERUSALÉM NO SÉCULO XXI
Constituída por nove palcos, em uma área de 100 mil m², cercada por uma muralha de 3.500 m e 70 torres, Nova Jerusalém corresponde a um terço da Jerusalém original, onde Jesus viveu seus últimos dias.

Idealizada e construída por Plínio Pacheco, a cidade-teatro está localizada no distrito de Fazenda Nova, no município de Brejo da Madre de Deus, a 180 km do Recife, capital pernambucana.

Assistido por mais de dois milhões e meio de pessoas, com um público médio diário de 8.000 e conseguindo atingir a marca de 72.000, no aniversário de 40 anos, o maior teatro ao ar livre do mundo encanta turistas nacionais e internacionais pela estrutura e semelhança com a Judéia dos tempos da dominação romana.

Os palcos reproduzem os cenários naturais, os arruados, o Palácio de Herodes, o Fórum de Pilatos, o Templo de Jerusalém e o Cenáculo, constituindo uma obra monumental. Tudo é grandioso, encantador e inesquecível.

O requinte dos detalhes, a beleza plástica e a qualidade impressionam o público que, a cada ano, lota os espetáculos.


OBS: in NOS BASTIDORES DA POESIA ( livro inédito, reunião de textos críticos e outros temas de Maria de Lourdes Hortas)