AS VIAGENS GERAIS DE CELINA DE HOLANDA
Viagens Gerais, poesia
Celina de Holanda
Fundarpe / Cepe
Recife, 1995, 370 pgs.
Desde O Espelho e a Rosa ( estréia,1970), até Afago e Faca ( inédito por vários anos e agora publicado nesta coletânea), a obra de Celina de Holanda vem se construindo sobre as premissas que lhe deram origem: a luz e a sombra, o jardim e o interior, o consciente e o inconsciente, a intuição e o conhecimento. Por outras palavras: sobre o universo mágico do Engenho Pantorra, onde viveu a infância, entre as histórias dos pretos velhos e os livros da biblioteca da casa, sempre atualizada:
Chego às janelas da noite
Meus olhos buscam o que era (...)
O poema de Celina que serve de pórtico ao livro não poderia ter sido melhor escolhido, pois é também uma espécie de mapa que, à partida para estas Viagens, desvela ao leitor as gerais intenções das mesmas:
Viajo pelos livros que faço
Mas sempre torno
Para escreve-los
Onde a vida é uma menina
Chorando
Entre moitas.
A afirmativa da autora faz-nos concluir que, nela, a escrita, mais do que um mecanismo lírico de regresso ás origens, é a própria forma de subverter os limites cronológicos: escrever é voltar ao antigo cenário bucólico,
... onde havia as águas caindo
na rampa da cachoeira
parecendo lençol branco
por entre espumas fugindo(...)
passando rente na mata
onde gritava o pavão (...) pág.95.
Nesse alumbramento das águas despencando em vertigem, abismo de espuma fugitiva, a poesia a tocou, escolhendo-a para a sina de dizer os sentimentos. Na verdade, a poesia chegou à vida de Celina com a naturalidade com que, pela manhã, chegavam os pássaros às varandas da casa da infância. Varandas que, de resto, também se abriam para o poço fundo das suas inquietações:
Um espelho e seus dois lados
Réptil e pássaro
O que somos.(...)
Para onde essas rotas de vôo
Se abrem e se apagam?
Dessa vivencia telúrica da zona da mata pernambucana e, por certo, da convivência com o chão de barro plasmável ,no qual moldou seus versos, lhe ficou o gosto pelo simples e essencial:
Que tudo em si lembrava
Madressilvas
Malvas cheirosas
Verdes moitas
Manhãs
Frescor e orvalho.
Luminosa, com o despojamento e a grandeza das pequenas coisas, a poesia de Celina de Holanda brota com a naturalidade das fontes - espontaneidade que não é fácil alcançar. Um poeta espontâneo português, Manuel da Fonseca, confessa: ”Ser espontâneo dá-me muito trabalho”. Isso porque, a simplicidade do texto poético não se confunde com pobreza ou acaso. Na leitura desta recolha da obra de Celina, percebe-se que ela conseguiu harmonizar a sensibilidade e a percepção com um sexto sentido estético, equipamentos que, mesmo fazendo parte da bagagem genética do poeta, só se aprimoram com leitura e exercício da escrita, somados ao sábios filtros da vivencia e do tempo.
Quanto à temática da sua poesia, o título de um dos seus últimos livros já referido – Afago e Faca – é metáfora e síntese. Sem dúvida, a trajetória da poetisa tem se firmado sobre essas duas bem definidas vertentes. Solidários,
o tema social ( faca) e o tema afetivo ( afago) se entrecruzam continuamente. Assim, sem conseguir compactuar com a injustiça social, ou com o desconforto emocional diante de uma realidade que agride os seus princípios cristãos, Celina toma a palavra, com energia e veemência:
Ouço o povo numeroso de Deus.
(...) Ouço as portas.
É o clamor do povo de Deus, abrindo-as. (pág.190)
Todavia, a meu ver, a grande força da sua poesia acontece nos poemas de tom elegíaco: aí cresce e se dilata, despindo-se do circunstancial e ultrapassando limites geográficos e temporais:
Tudo já aconteceu. Coloca a insígnia
(primado do sinal) sobre o meu peito
E um penso de amor sobre esta chaga.
Escuta o pássaro
Rolando
Como um jornal velho, rasgado,
A asa da ascensão cortada. Sua beleza
Guardarei sobre o meu corpo
Como um fruto
A que se tira a casca.
Mas
Dá-me um pouco da tarde onde ficamos.
(Publicado no jornal literário O PÃO, Fortaleza/Ceará, junho,1996)
Maria de Lourdes.
ResponderExcluirCelina ainda é matéria para muitos escritos. Não só a poesia que deixou escrita, mas a que praticou em vida, e que permanece indelevelmente gravada na alma da gente.
Eu tive a felicidade de conseguir expressar um pouco aqui:
http://interpoetica.com.br/site/index.php?/figura-da-vez/Celina-de-Holanda.html
Parabéns, amiga, pela bela homenagem.
Luis Manoel Siqueira
Cara Lourdinha:
ResponderExcluirCelina, apresentada por você, não deixa dúvida:
é uma grande poeta a ser mostrada ao MUNDO!
Obrigado pelo conhecimento dela.
Abraço fraterno,
oscar