sábado, 22 de agosto de 2015

Discurso proferido no Gabinete Português de Leitura na solenidade de 10 de junho: Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas




O V IMPÉRIO PORTUGUÊS: DE CAMÕES A FERNANDO PESSOA


Aquele movimento hierético da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais  - tudo isso me toldou o instinto como uma grande emoção política.(...) Minha pátria é a língua portuguesa. 

Palavras de Bernardo Soares, semi-heterônimo de Fernando Pessoa, revelando o seu alumbramento,  incontida admiração pelo Padre António Vieira, depois de ter lido a sua História do Futuro.



No ano em curso, o mundo lusófono presta homenagem a Fernando Pessoa, pela passagem dos 80 anos da sua morte e também pelos 100 anos de publicação do primeiro número da revista Orfeu, de cujo grupo Pessoa participou ativamente, como idealizador e colaborador.
Assim, é mais do que justo, darmos a   Fernando Pessoa um lugar especial  em nossa festa,  porque   tanto  Camões  quanto  Pessoa  são símbolos da identidade nacional portuguesa.
A epigrafe que escolhi, lida no início da  minha breve fala, trás uma  frase de Fernando Pessoa, que muitas vezes já ouvimos: “A minha pátria é a língua portuguesa.”  Segundo o ensaista João Gaspar Simões, biógrafo do poeta, “ a primeira tentativa de naturalização de Pessoa adveio após a leitura do Pe. Vieira. Através da História do Futuro, tomou ele conhecimento dos vaticínios anunciados por um poeta popular, Bandarra, o sapateiro de Trancoso, segundo o qual a Portugal estava reservada a missão de realizar o V Império do Mundo.
Fernando Pessoa passou grande parte da sua infância e juventude na África do Sul, para onde foi levado, aos oito anos, acompanhando a sua família , e onde   recebeu toda a base da sua educação e cultura, chegando a ter mais familiaridade com a língua inglesa, na qual escreveu os primeiros poemas.
Ainda segundo Gaspar Simões: ao se deparar com a obra de Vieira, “ foi como se Fernando Pessoa tivesse sido levado a  associar, na mesma idéia , o seu sentimento patriótico e o sentimento de redenção da pátria, que ele sentia profundamente abatida.”
Também os Lusíadas de Camões, tocaram profundamente a alma do jovem poeta que, regressando à pátria, buscava conhecê-la e reconhecê-la como sua.
 Em  1922, apenas com 24 anos, ele escreveu na revista Águia, profetizando sobre um poeta vindouro,  que encarnaria o auge da poesia. E  declarou:  Supra- Camões lhe chamaremos...

Quatro séculos separam Luis Vaz de Camões de Fernando Pessoa.  O grande vate dos LUSÍADAS  nasceu em Lisboa, no século XVI, ano de 1527,   em pleno do  renascimento  europeu,  fase histórica  que reacendeu as  referências da Antiguidade Clássica. Grandes mudanças culturais e sociais estavam em curso.
Portugal  havia conquistado  a sua soberania, após as lutas contra os mouros e Castela. Dotados de espírito aventureiro , os portugueses tinham desvendado os mistérios  dos oceanos, lutando bravamente contra as forças hostis da natureza, abrindo rotas de comércio e expandindo as fronteiras do mundo.
Estava portanto preparado o cenário para ser escrita a grande epopéia nacional.  E foi Camões quem tomou para si o encargo de enaltecer os feitos da sua gente.
Da sua infância, não há qualquer registro. Sabe-se apenas que nasceu numa família de pequena aristocracia. Quanto à sua juventude, tudo leva a crer que, pela forma como pôde executar a sua obra prima,certamente esteve em Coimbra, já então meca da cultura portuguesa.
Camões dominava o latim e o espanhol;  conhecia  os poetas da literatura clássica e estava a par  do que acontecia literariamente na Itália e na Espanha.
Jovem galante, frequentou a corte de D. João III, encantando o paço com a sua poesia lírica, envolvendo-se, segundo reza a tradição, em romances com   algumas damas . Supõe-se que, por conta de um desses capítulos amorosos,  partiu  para a África  como militar   e lá perdeu um olho numa batalha. Viajante contumaz, esteve no Oriente , onde enfrentou uma série de peripécias e adversidades.
Nesse clima de instabilidade e aventura  compôs a obra que o imortalizou:  no íntimo do grande poeta, contra tudo e contra todos, o que pulsava era a poesia. Nos Lusíadas, conseguiu  conciliar, com espantosa harmonia, a sua erudição clássica com a sua experiência de vida. Tanto assim que Jorge de Sena afirmou : “ nada é arbitrário em Os Lusíadas.”
 Dominando com maestria todos os recursos da língua e da versificação, Camões realizou  não só a maior  epopéia portuguesa , mas uma das maiores epopeias do Renascimento.
Quando, em 1570, regressou  a Lisboa, apresentou-se no Paço e recitou os LUSÍADAS a D. Sebastião, ainda adolescente. Entusiasmado, o jovem monarca determinou que a epopeia fosse publicada -  o que ocorreu em 1572 -  e que fosse concedido a Luís de Camões, cavaleiro fidalgo da sua Casa, em paga dos seus serviços prestados na Índia , uma pensão vitalícia. Ao que tudo indica, tal  pensão não foi muito generosa, pois, segundo os seus biógrafos, o poeta  viveu com dificuldades e  encerrou os seus dias,  no dia 10 de junho de 1580,  em extrema pobreza.
O imortal cantor das glórias lusitanas  foi um renovador da língua portuguesa.  Em sua epopeia, com ufanismo declarou:
Cessem do sábio Grego  e do Troiano
As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandre e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram:
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram.
...........................................................
Cesse tudo o que a Musa antiga canta
Que outro valor mais alto se alevanta.

O reconhecimento d e Camões e sua obra como emblema da nação portuguesa vem de longe. Já em 1580, durante a  monarquia dual de Filipe II , o monarca  espanhol achou por bem prestigiar os  súditos portugueses, mandando traduzir  Os Lusíadas para o castelhano.
No século XIX, Camões  volta a alcançar  grande destaque: Os Lusíadas passaram por várias releituras, sendo mitificados por Almeida Garrett  e Antero de Quental,  expoentes  máximos  do romantismo. E, por ocasião do tricentenário da   sua morte, a  10 de junho de 1880, quer em Portugal, quer no Brasil, foram lhe prestadas grandes homenagens.  Portugal debatia-se entre a legitimidade da monarquia e as revindicações democráticas. Camões – conforme referem os jornais da época- foi apresentado como símbolo de revivescência do seu país,  tornando-se  síntese da nacionalidade.
Mais tarde, durante o Estado Novo ( ou salazarismo), Camões volta à cena: desta vez, tanto o vate quanto os Lusíadas são usados como elementos propagandísticos.
No entanto, só depois de passados três  anos sobre a chamada Revolução dos Cravos, Camões foi associado publicamente às Comunidades Portuguesas, tornando-se o 10 de junho,  O Dia de Camões , de Portugal,   e das Comunidades Portuguesas. A nova ideologia foi reafirmada com a transformação do Instituto de Língua e Cultura Portuguesa em Instituto Camões.
Paralelamente,  criou-se  um novo  sentido de identidade nacional,  englobando  os muitos emigrantes portugueses espalhados pelo mundo. 
Como  já disse neste texto, longos quatro séculos de história e literatura separam Fernando Pessoa de Camões.
Ao apagar das luzes do século XIX ,  a 13 de junho de 1888, no ano Largo de São  Carlos  em Lisboa, nasceu aquele que viria a ser o mais universal poeta português: FERNANDO  ANTÓNIO NOGUEIRA PESSOA . Considerado pelo crítico literário Harold Bloom como o “Witman renascido “, foi  incluído por ele entre os 26 melhores escritores da civilização ocidental, não apenas da literatura portuguesa, mas também da inglesa.
Tanto Camões, quanto Pessoa, se preocuparam com a identidade nacional. Quando Fernando Pessoa surgiu no cenário la literatura portuguesa, na segunda década  do século XX, a poesia camoneana permanecia viva. Pessoa se deu conta disso e, consciente do seu próprio potencial, sonhou ser ele o Supra-Camões.Muitos  estudiosos pessoanos  têm afirmado que a   sua obra foi uma tentativa de superar a obra camoneana. Tal intenção é  visível no único livro que o poeta publicou em vida:  MENSAGEM ( 1934), um ano antes da sua morte.
Existirá alguma semelhança entre OS LUSÍADAS  e a MENSAGEM?
Certamente a semelhança incontestável reside no fato de  as duas obras enaltecerem e glorificarem os fatos mais significativos dos descobrimentos, capítulo maior na História Portuguesa.
Quando Camões escreveu a sua Epopéia, haviam-se passado apenas 50 anos sobre a viagem de Vasco da Gama. Tendo  se apercebido da  importância daquele feito , o grande poeta  centralizou-o na sua narrativa,  aproveitando  o ensejo para contar toda a História de Portugal, engrandecendo os vultos principais e outros feitos heróicos dos  seus compatriotas.
Por seu lado,  Pessoa, sentia-se decepcionado com a realidade portuguesa   do seu tempo: a decadência da monarquia e os novos ideais republicanos. No  íntimo, visionariamente,  procurava uma missão, que pudesse levá-lo a construir novos tempos. Nesse sentido, chegou a escrever  vários textos, entre os quais o opúsculo  “Como Organizar Portugal” onde abordou o decadentismo da época. Segundo o Prof. Alfredo Antunes,  “tal trabalho é um espelho das suas preocupações teóricas para justificar a necessidade de um novo D. Sebastião ou super- Camões, que venha estabelecer o Quinto Império  espiritual.”
Em 1917, pela voz de Álvaro de Campos,  Pessoa anuncia : “ O Quinto Império, o futuro de Portugal – que não calculo, mas sei – está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas de Bandarra, e também nas quadras de Nostradamus. Esse futuro é sermos tudo.Quem, que seja português, pode viver na estreiteza de uma só personalidade, de um só nação, de uma só fé?”
A  MENSAGEM  é uma versão moderna , espiritualista e profética dos  Lusíadas. Contendo poemas de diferentes datas,foi concebido como um  grande Poema.  Segundo o prof. Alfredo Antunes , “  A cadeia de heróis que vão passando pela primeira parte desse seu “ canto maior” a Portugal, arranca da História cada uma das  virtudes que são necessárias para caldear  uma raça e um povo  .(...) Viriato,  Conde D. Henrique, D. Tareja, D. Afonso Henriques, D. Dinis, D. João o Primeiro, D. Filipa de Lencastre são – para usar a  expressão de David Mourão Ferreira  – “ os seculares motivos “ (...)   E assim, a cada herói do passado, faz a súplica necessária para o Portugal do futuro.”
Construida sobre uma estrutura de simbolos e  mitos, a Mensagem convoca os portugueses a prosseguirem na  sua missão histórica, sem jamais esquecer a essencia  da sua Pátria.
Na segunda parte de MensagemMar Português – Pessoa reconhece  a missão dos heróicos  navegadores portugueses, que com audácia, sofrimento e sacrifício, construiram o destino de uma supra-nação.E escreveu um dos mais belos poemas da Mensagem:
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Hoje, o V IMPÉRIO que Pessoa sonhou é a língua portuguesa, a pátria que ele  tanto reverenciava. Não foram apenas os audazes navegadores que implantaram a língua portuguesa  pelo mundo. Dessa feito  participaram também todos os emigrantes que, ao longo dos séculos,  foram  se espalhando pelo globo, deixando a cultura portuguesa nos seus países de acolhimento.
O site do Observatório da Língua Portuguesa ,  aponta para  244. 392  milhões o número de falantes de português  em todo mundo,  sendo a nossa, a quarta língua mais falada, atrás do mandarim, do espanhol e do inglês . Hoje o idioma  português é falado nos cinco continentes, como língua  oficial de 9  países e 14 regiões.
Quero  encerrar as minhas palavras, homenageando os emigrantes anonimos, que deixaram a sua pátria para sempre, repetindo   um dos mais belos versos de Fernando Pessoa:
´´O mar salgado, quanto do teu sal, são lágrimas de Portugal?


 Recife, 10/6/2015 


quarta-feira, 6 de maio de 2015

HOMENAGEM PÓSTUMA À MINHA AMIGA TEREZA HALLIDAY

MORDOMIA CELESTIAL
                                                  Tereza Halliday

"Ela se apresentou numa noite de São João, mostrando o convite pessoal e intransferível. Salpicada de faíscas de chuvas de ouro e prata, agasalhada por xale de fumaça, cheirando a folha de eucalipto e manjericão, resplandeceu à luz da fogueira celestial. Foi sagrada membro do grupo de dançarinos da quadrilha eterna. Balancê!
Recebida por São Pedro, outro grande folião das noites de junho, onde balões e bandeirolas falam dialeto entendido por poucos. Foi levada ao banquete em sua honra - canjica nordestina autêntica- aquela delicatessen, creme de milho verde  finíssimo, cuja receita verdadeira se perdeu na Terra, substituída pela produção em massa e morta pela preguiça de mexer de colher de pau o néctar amarelo clarinho, uma hora de relógio depois de levantar fervura.Serviram-lhe também o bolo de massa de mandioca, leite de coco e especiarias, chamado pé de moleque ( nada a ver com o docinho mineiro do mesmo nome).Receita especial, onde a massa vai ao forno em forma forrada com folha de bananeira.
A sagração ocorreu ao som de baiões, xotes e xaxados, que se esparramavam da sanfona, sem outra caixa de som além do próprio fole, acompanhada apenas por zabumba e triângulo. Recebeu carteira vitalícia de admissão ao forró do céu. Saciada, enfim.
Assim me contou a alma agraciada naquela noite especial. E confidenciou-me a verdade muito além das doutrinas e utopias sobre céu e inferno, na Terra ou alhures: quem não foi tocado pela magia de pelo menos uma noite de São João, vai precisar ralar muito para conseguir mordomias no descanso eterno."

( in RUA DE SANTA GATA,edições Bagaço,2014)

Tereza Lucia Halliday Levy  nasceu no Recife a 19 de dezembro de 1944 e faleceu nesta cidade no dia 24 de abril de 2015. 
Intelectual respeitada, pesquisadora,  professora da UFRPE e UNICAP, foi jornalista, escritora e poetisa. Com vários livros publicados na  área de Comunicação,escreveu belos livros para crianças  e participou de várias antologias de poesia .
No  livro Rua de Santa Gata ( segundo nota "na orelha"do mesmo ) "Tereza Halliday, menina, jovem, mulher e velha, misturou-se nestes textos, compartilhando sua imaginação, pensares e sentires. Presente de aniversário para leitores, quando a aniversariante é ela. Celebração da voz, silêncio, contemplação e sorriso.  "
Fui uma das felizes contempladas por este livro pleno de magia   poucos dias depois do  seu aniversário . É dele que retiro esta significativa página, como forma de lhe prestar uma homenagem, com muito carinho e saudade.
Maria de Lourdes Hortas

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

sábado, 7 de fevereiro de 2015

A RESSONÂNCIA NA POESIA DE JUAREIZ CORREYA




Natural de Palmares, Pernambuco, Juareiz Correya  nasceu em 1951, mas  radicou-se no Recife  desde 1970 , onde, através da sua editora Nordestal, publicou a revista POESIA, divulgando não  só autores nordestinos, mas de vários estados do Brasil. Vem daí o seu incansável, contínuo  e importante trabalho como promotor cultural, criando e realizando   eventos literários  e  dedicando-se, sistematicamente,   à divulgação da obra de dois importantes nomes de conterrâneos seus:  Ascenso Ferreira e  Hermilo Borba Filho.

Entre 1987 e 2003 voltou a Palmares, onde, à frente da  Casa da Cultura Hermilo Borba Filho, com o apoio da Prefeitura de Palmares,  realizou  significativo trabalho cultural . 
A  breve  informação biográfica, parece-me necessária para  traçar o perfil de  Juareiz Correya, cuja  vida caminha paralela à sua  poesia e vice-versa. Vibrante, tudo o que este poeta escreve reflete a sua experiência vital : seus poemas são imprevisíveis, e sua linguagem , visceral.

Estas reflexões me vêem após a releitura do livro de Juareiz Correya  Americanto Amar America e outros poemas do século 20. - Panamerica Nordestal Editora,Recife, PE, 2010 –oportuna reunião de tudo o que o autor já publicou, quer em forma de livro, quer como simples folhetos de cordel, e creio que  mais alguns  poemas inéditos até a presente edição.
Sem qualquer intenção crítica,  pois para tal  são necessárias ferramentas de que não disponho, ao traçar estas breves linhas, interessa-me apenas fixar algumas  impressões da  minha leitura, por me parece importante , de alguma maneira, divulgar um autor que  tem  dedicado toda a sua vida à poesia, quer como criador, quer como editor.

 A sintonia entre leitor e autor ocorre quando o poema provoca em quem o lê um encontro , ou seja,  um  aprofundamento que vai confirmar a ressonância a que se refere Gaston Bachelard : “o poema nos toma por inteiro” (...) “como se, com sua exuberância, o poema reanimasse profundezas do nosso ser”.

Fico pensando: quantas vezes  a leitura de um poema se desdobra  em nós numa nova criação? .
 O professor Massaud Moisés,  crítico e profundo conhecedor da literatura, já disse que “ a arte literária não se reduz ( ou não deve reduzir-se) a uma forma banal de entretenimento”.  E prossegue:” (...) mais do que recreação de alto-nível, a Literatura constitui uma forma de conhecer o mundo e os homens: dotada de uma séria missão , colabora para o desvendamento daquilo que o homem, conscientemente ou não, persegue durante toda a existência”.
Esta  definição me parece  justa e precisa  no caso da  poesia de J. Correya. Tudo o que ele escreve  é a expressão de sua vida, a superação e a libertação do seu cotidiano, o  reflexo do seu  tempo , e, como consequência, o registro do  ser  humano, onde quer que esteja e em que  geografia habite.
Veja-se, por exemplo, este  poema:

Amo só o que conheço, nada é perdido.
O bairro onde vivo e seus arredores.
Os homens de hoje, mesmo os que decepcionam,
sem mito e esplendor,
humanamente humanos.
As obras definidas que acabo de ler.
A leitura, não a saudade, da poesia do mundo.
O Ocidente e o Oriente que, na verdade,
existem sob o sol para todos.  
Os mais velhos, com quem converso
as horas de suas saudades. 
As múltiplas formas da memória,
que não se faz do esquecido.
A língua que falo e as leituras que decifro. 
Todos os versos de que me lembro, mesmo por hábito.
Os amigos que não faltam, porque nunca morrem.
A ilimitada eternidade da Arte. 
A mulher que está ao meu lado,
companheira indivisível. 
Até mesmo o que não sei, como o xadrez e a álgebra. 
( in  América Indignada Y Poemas da Alegria da Vida 
- Panamerica Produções / Nordestal Editora, São Paulo / Recife, 1991)

Carlos  Drummond  de Andrade, num dos seus poemas mais conhecidos,  declarou: “Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. No poema de Juareiz  acima transcrito, percebemos que, também ele , não oculta o  seu  “  sentimento do mundo”: O bairro onde vivo e seus arredores. /Os homens de hoje, mesmo os que decepcionam, /sem mito e esplendor, humanamente humanos.

A  imensidão interior do poeta com  frequência aflora nos seus poemas. Veja-se, por exemplo, este fragmento do poema Flor que não se cheira, do conjunto Outros Poemas  no livro em questão:

(...) e saio de mim e me entrego tanto/vendaval no coração da cidade/cada vez mais nu e louco e santo/só minha paixão por tudo arde(...) cada vez mais alto e largo e fundo/navego meu rio, capricho meu barro/voando meu fogo purifico o mundo.

No pórtico de um novo século, Juareiz Correya não se deixa embalar pelo marasmo do pós-modernismo, onde muito pouco aconteceu de renovador na poesia universal. Lendo sua obra sente-se que ele desafia o seu tempo, fugindo ao   tédio de  hábitos e formas rotineiras, sem, todavia, desprezar as vozes dos grandes e eternos  mestres da poesia.

 Era nisso também  que eu pensava quando falei em ressonância: porque, pelas estradas de Juareiz Correya, neste seu Americanto Amar América e outros poemas do século XX,ouço ecos de poetas inesquecíveis (Lorca, Neruda,Octavio Paz, F. Pessoa, Ginsberg  e  tantas outras vozes marcantes) , que têm  contribuído para o canto renovado  de muitos bons poetas contemporâneos: este, inclusive.

(Texto inédito, escrito em Aldeia ,nos arredores do Recife, 2011)