domingo, 16 de novembro de 2014

RELEITURAS (II)






TEOREMA

Que nome tem o que em mim flameja
por vezes claro e tão luminoso
outras, tão fundo, que se põe umbroso
que nome tem, em mim, seja o que seja?
Quem equaciona este teorema?
como cifrá-lo, que signo lhe invento?
Vem na cadência do tropel do vento
o repetido som que o emblema?

Ah fogo fátuo, cometa em viagem
alumiando nos breus do contexto
os plenilúnios de outro personagem:
lume verbal, lanterna de romagem
a projetar nas ruas do pretexto
a sombra que me leva na bagagem.
                                                              (in  Relógio d´água, 1985)






LEGADO

Para amanhã e depois, mais tarde
àqueles que ainda gostem de chuva

para habitar enigmas
labirintos e prodígios

para não deixar fugir o espanto
diante das coisas essenciais

para ouvir
o silêncio de Deus

para não me perder de mim:
escrevo.

                                                        (in  Fonte de Pássaros,1999)



MALA

Espécie de mala
a alma
do poeta
porão onde se guarda
tudo o que serve
para a poesia:
cartas por enviar
labirintos de intenções
partituras inacabadas
vertigens inominadas
catedrais de silêncio
mapas indecifrados
eclipses, horizontes
icebergues, vulcões
sonatas de chuva
retratos em sépia
arquivo de auroras
e crepúsculos
maravilha de instantes
tempo avulso
que se escoa e nos leva
na voragem da ciranda.

O que guardo na alma
Abro na poesia:
Nela interrogo a vida
Dia após dia.
                            ( in Rumor de Vento, 2009)