terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

ACERCA DO LIVRO SOLIDÕES DA MEMÓRIA DE DALILA TELES VERAS




  a memória da infância
 é a memória possível
 ( e só à poesia cabe recriar)
             
             Dalila Teles Veras
                                                                                       

Dalila Teles Veras nasceu na Ilha da Madeira em 1946, mas veio para o Brasil, acompanhando a família aos onze anos de idade. Atualmente vive em Santo André - SP. Sem dúvida, trata-se de uma das  mais significativas  escritoras da literatura  lusófona contemporânea, sobretudo porque, sendo imigrantes, pertence à literatura de duas pátrias.
Pela  Alpharrabio Edições, que comanda,   publicou recentemente (  2015)  o livro Solidões da Memória, onde está patente a  condição de quem, como ela muito bem diz nas anotações finais,” ter duas pátrias é como estar em permanente estado de exílio”. 
O título do livro foi inspirado por  um verso de Raul Bopp , citado nas epígrafes iniciais: Saudade é uma revivescência/Solidões da Memória/ coisas que ficaram do outro lado do mar.  
Além do poeta modernista, muitas das afinidades literárias da autora desfilam nas epígrafes  que abrem todos os seus poemas: Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner, Guimarães Rosa, Drummond, e tantos  outros altíssimos nomes. Ao nos revelar os padroeiros  da sua poesia, Dalila confirma que todos os poetas se constroem  não só da sua vocação e sensibilidade, mas de tudo o que leem e vão absorvendo, conscientemente ou não, ao longo do seu itinerário existencial.
Neste memorial, Dalila Teles Veras dá relevo  ao mundo da infância, lugar de impossível regresso:
O regresso
(ainda que da memória seja
o mergulho
vertical e fundo)
é paz impossível.
(in  A Ilha à minha porta amarrada)
 Forte e densa, tecida com a   exatidão das palavras essenciais,  assim é a poesia de Dalila Teles Veras, de contido sentimento , como contida foi a sua Educação pelo silêncio (pg. 23):  
“Rosto vincado/palavras poucas/a avó (...) em silêncio(...) 
as palavras inauditas(...)
em silencio, celebrávamos/o pacto de sangue/
 na pedra firmado, código/para enfrentar sortilégios.”
Esse código de silencio, para enfrentar sortilégios me parece ser a chave da poesia de Dalila Teles Veras. Escassez descrita no poema do mesmo título:
consumo escasso
diversão escassa
existir escasso (...)

Ecos de escassez que , de resto, marcam a sua escrita:
 (...) Na austeridade da arca
 a casa
 reduzida ao essencial.
(in  Bagagem )

No final do livro Dalila nos revela a sua Caderneta de Anotações, datadas de maio de 2012, por ocasião de uma viagem à Ilha da Madeira. Ali encontramos certamente muitas das matrizes dos poemas de “Solidões da Memória”. Todavia, mais do que nessas breves anotações, sentimos  que os  “ rizomas”  da sua profunda  insularidade , ela os foi buscar  no inominável espaço onde guarda as cicatrizes e pegadas da sua história.
Recife, fevereiro, 2016
Maria de Lourdes Hortas
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 CONFIDÊNCIA DA MADEIRENSE
                                                           Dalila Teles Veras
                                      
                                      Alguns anos vivi em Itabira.
                                        Principalmente nasci em Itabira.
                                        Por isso sou triste,
                                        orgulhoso: de ferro.
                                                   Carlos Drummond de Andrade
alguns anos vivi na madeira
principalmente nasci na madeira
por isso sou melancólica, teimosa: urze
de nascença, em luta frente às intempéries
(de solo, do vento e das vagas marítimas)
alma em permanente desassossegar

da madeira nada de material veio comigo
e não há nada que eu possa ofertar
mas da madeira vem este ar atrevido
a língua maldicente e áspera
e o hábito de tudo reclamar
atavismos que a consciência, por vezes
                             rejeita

a madeira não é apenas fotografias
é a memória real dos precipícios
                    e das vertigens
encordoamento
       do que não parecia lembrado
                     mas é
a memória do que não foi
                   mas poderia
e sequer dói




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