quarta-feira, 24 de maio de 2017

Diário de Aldeia



 A rosa da manhã  desfolha-se  luminosa
diluindo o  silencio 
sobre a noite de chuva.
            *
Noite a fora
o flamboyant contou  à chuva sua história
e  ela a  semeou na relva do jardim.
             *
 A cerca de jasmins escorre chuva
 perfume intenso acordando  o sol.
              *

comentário do poeta pernambucano José Terra

querida Lurdinha, acabei de acessar seu blog, passei uns 20 minutos pra colocar minha opinião e não consegui...
eis o comentário que fiz dentro do poema " revisitação":
"Belo poema, Lurdinha!
 ele retrata bem a sua poesia
 lírica e livre como uma rosa e uma primavera
 e como sempre, traz o traço marcante de sua linguagem:
 a elegância.
 Que seu blog tenha vida longa
 assim como tem a sua poesia
 Parabéns pela simplicidade e beleza! "
 do seu leitor e fã
 José Terra

HOMENAGEM AO POETA MAURO MOTA


No  centenário do nascimento de  Mauro Mota ,  (16 de agosto de 1911),  deixo aqui registrada a minha homenagem a esse grande poeta pernambucano da Geração 45.
Tive o prazer  e a honra de conhecê-lo no   final dos anos setenta, quando comecei a aparecer nas rodas literárias do Recife. Mauro gostava de  frequentar o Clube Alemão, na Estrada do Encanamento, entre  Casa Amarela  e Parnamirim. Em certos dias da semana, ao  fim da tarde , lá se encontrava com outros poetas e escritores.  E foi numa desses  encontros  de poesia que o conheci.  Depois, algumas  vezes , cruzei com ele  na rua do Imperador, o poeta  a caminho do Arquivo  Público,( onde era Diretor),  e eu do Gabinete Português de Leitura,    que Mauro Mota   frequentou assiduamente.   Mais tarde, deu-me  a  alegria de  escrever, um  breve  mas valioso comentário  acerca da minha poesia  , no Diário de Pernambuco.
Mauro Mota faleceu no dia 22 de novembro de 1984. Nesse dia estava eu  em  Juiz de Fora (MG), para assumir o meu lugar de sócia correspondente na Academia  de Letras  daquela cidade. No início da sessão, prestei-lhe uma singela  homenagem, tomando-o como meu padrinho e recitando uma das suas belas elegias.
Mauro Mota foi membro das Academias Brasileira e Pernambucana de Letras  ( sendo, desta última, presidente durante vários anos).
Sua  obra atravessou fronteiras, com poemas traduzidos em inglês, italiano e  espanhol.
Da “Antologia  Didática de poetas pernambucanos” (1988, org. por Ézio  Rafael , Cremilda  de Matos e Izabel M. da Silva ), transcrevo o  trecho  que se segue e, a seguir, o poema referido no mesmo:
Poeta profundamente identificado com a paisagem, as ruas, os costumes e os valores de sua terra, procurou, no entanto, numa simples descrição de uma rua, como a Rua do Crespo, por exemplo, dar-lhe sempre uma transcendência lírica universal”.
RUA DO CRESPO (1870)
( Em desenho de Scklappritz)
                              MAURO MOTA
Lojas  vestindo anáguas:
As marquises de pano.
Dois cachorros sem dono
Mordem o primeiro plano.

Um soldado a cavalo
O que tanto vigia?
Ah, se prender pudesse
Esse tempo e esse dia!

Agitam-se as parelhas
Ao  sinal do boleeiro.
Para onde a diligencia
Conduz os passageiros?

Onde estão os meninos
Daqui, que não  escutam
 O pregão das escravas
Com sequilhos e frutas?

Os lampiões em fila
São, de longe,  pedestres
Magros, andando  retos
Para a igreja no fundo.

( Um homem  prevenido
Abre  o seu guarda-roupa).
Vem caindo a neblina
Das varandas na rua.

(in Antologia Didática de Poetas Pernambucanos )

LEITURAS



 


AS VIAGENS GERAIS DE CELINA DE HOLANDA



Viagens Gerais, poesia

Celina de Holanda

Fundarpe / Cepe

Recife, 1995, 370 pgs.



Desde  O Espelho e a Rosa ( estréia,1970), até Afago e Faca ( inédito por vários anos e agora publicado nesta coletânea), a obra de Celina de Holanda vem se construindo sobre as premissas que lhe deram origem: a luz e a sombra, o jardim e o interior, o consciente e o inconsciente, a intuição e o conhecimento. Por outras palavras: sobre o universo mágico do Engenho Pantorra, onde viveu a infância, entre as histórias dos pretos velhos e os livros da biblioteca da casa, sempre atualizada:



Chego às janelas da noite

Meus olhos buscam o que era (...)



O poema de Celina que serve de pórtico ao livro não poderia ter sido melhor escolhido, pois é também uma espécie de mapa que, à partida  para estas Viagens, desvela ao leitor  as gerais intenções das mesmas: 



Viajo pelos livros que faço

Mas sempre torno

Para  escreve-los

Onde a vida é uma menina

Chorando

Entre moitas.



A afirmativa da autora faz-nos concluir que, nela, a escrita, mais do que um mecanismo lírico de regresso ás origens, é a própria forma de subverter os limites cronológicos: escrever é voltar ao antigo cenário bucólico,



... onde havia as águas caindo

 na rampa da cachoeira

parecendo lençol branco

 por entre espumas fugindo(...)

 passando rente na mata

 onde gritava o pavão (...) pág.95.



Nesse alumbramento das águas despencando em vertigem, abismo de espuma fugitiva, a poesia a tocou, escolhendo-a para a sina de dizer os sentimentos. Na verdade, a poesia chegou à vida de Celina com a naturalidade com que, pela manhã, chegavam os pássaros às  varandas da casa da infância. Varandas que, de resto, também se abriam para o poço fundo das suas inquietações:



Um espelho e seus dois lados

Réptil e pássaro

O que somos.(...)

Para onde essas rotas de vôo

Se abrem e se apagam?

Dessa vivencia telúrica da zona da mata pernambucana e, por certo, da convivência com o chão de barro plasmável ,no qual moldou seus versos, lhe ficou o gosto pelo simples e essencial:



Que tudo em si lembrava

Madressilvas

Malvas cheirosas

Verdes moitas

Manhãs

Frescor e orvalho.



Luminosa, com o despojamento e a grandeza das pequenas coisas, a poesia de Celina de Holanda brota com a naturalidade das fontes -  espontaneidade    que não é fácil alcançar. Um poeta espontâneo português, Manuel da Fonseca, confessa: ”Ser espontâneo dá-me muito trabalho”. Isso porque, a  simplicidade do texto poético não se confunde com pobreza ou acaso. Na  leitura desta recolha da obra de Celina, percebe-se que ela conseguiu harmonizar a sensibilidade e a percepção com um sexto sentido estético, equipamentos que, mesmo fazendo parte da bagagem genética do poeta, só se aprimoram com leitura e exercício da escrita, somados ao sábios filtros da vivencia e do tempo.

Quanto à  temática da   sua  poesia, o título de um dos seus últimos livros  já referido – Afago e Faca – é  metáfora e síntese. Sem dúvida, a trajetória da poetisa tem se firmado sobre essas duas bem definidas vertentes. Solidários,

 o tema social ( faca) e o tema afetivo ( afago) se entrecruzam continuamente. Assim, sem conseguir compactuar com a injustiça social, ou com o desconforto emocional diante de uma realidade que agride os seus princípios cristãos, Celina toma a palavra, com energia e veemência:



Ouço o povo numeroso de Deus.

(...) Ouço as portas.

É o clamor do povo de Deus, abrindo-as. (pág.190)



Todavia, a  meu ver, a  grande força da sua poesia acontece nos poemas de tom elegíaco: aí cresce e se dilata, despindo-se do circunstancial e ultrapassando  limites geográficos  e temporais:



Tudo já aconteceu. Coloca a insígnia

(primado do sinal) sobre o meu peito

E um penso de amor sobre esta chaga.

Escuta o pássaro

Rolando

Como um jornal velho, rasgado,

A asa da ascensão cortada. Sua beleza

Guardarei sobre o meu corpo

Como um fruto

A que se tira a casca.

Mas

Dá-me um pouco da tarde onde ficamos.

                                                                                       Maria de Lourdes Hortas



(Publicado no jornal literário O PÃO, Fortaleza/Ceará, junho,1996)


CELINA DE HOLANDA, *Cabo,PE.15 de junho de 1915
                                           + Recife,1999


 

























  



























  






(para um livro de ensaios, talvez sob o título LEITURAS DIVERSAS E OUTROS TEXTOS)

AS VIAGENS GERAIS DE CELINA DE HOLANDA

Viagens Gerais, poesia
Celina de Holanda
Fundarpe / Cepe
Recife, 1995, 370 pgs.

Desde  O Espelho e a Rosa ( estréia,1970), até Afago e Faca ( inédito por vários anos e agora publicado nesta coletânea), a obra de Celina de Holanda vem se construindo sobre as premissas que lhe deram origem: a luz e a sombra, o jardim e o interior, o consciente e o inconsciente, a intuição e o conhecimento. Por outras palavras: sobre o universo mágico do Engenho Pantorra, onde viveu a infância, entre as histórias dos pretos velhos e os livros da biblioteca da casa, sempre atualizada:

Chego às janelas da noite
Meus olhos buscam o que era (...)

O poema de Celina que serve de pórtico ao livro não poderia ter sido melhor escolhido, pois é também uma espécie de mapa que, à partida  para estas Viagens, desvela ao leitor  as gerais intenções das mesmas: 

Viajo pelos livros que faço
Mas sempre torno
Para  escreve-los
Onde a vida é uma menina
Chorando
Entre moitas.

A afirmativa da autora faz-nos concluir que, nela, a escrita, mais do que um mecanismo lírico de regresso ás origens, é a própria forma de subverter os limites cronológicos: escrever é voltar ao antigo cenário bucólico,

... onde havia as águas caindo
 na rampa da cachoeira
parecendo lençol branco
 por entre espumas fugindo(...)
 passando rente na mata
 onde gritava o pavão (...) pág.95.

Nesse alumbramento das águas despencando em vertigem, abismo de espuma fugitiva, a poesia a tocou, escolhendo-a para a sina de dizer os sentimentos. Na verdade, a poesia chegou à vida de Celina com a naturalidade com que, pela manhã, chegavam os pássaros às  varandas da casa da infância. Varandas que, de resto, também se abriam para o poço fundo das suas inquietações:

Um espelho e seus dois lados
Réptil e pássaro
O que somos.(...)
Para onde essas rotas de vôo
Se abrem e se apagam?
Dessa vivencia telúrica da zona da mata pernambucana e, por certo, da convivência com o chão de barro plasmável ,no qual moldou seus versos, lhe ficou o gosto pelo simples e essencial:

Que tudo em si lembrava
Madressilvas
Malvas cheirosas
Verdes moitas
Manhãs
Frescor e orvalho.

Luminosa, com o despojamento e a grandeza das pequenas coisas, a poesia de Celina de Holanda brota com a naturalidade das fontes -  espontaneidade    que não é fácil alcançar. Um poeta espontâneo português, Manuel da Fonseca, confessa: ”Ser espontâneo dá-me muito trabalho”. Isso porque, a  simplicidade do texto poético não se confunde com pobreza ou acaso. Na  leitura desta recolha da obra de Celina, percebe-se que ela conseguiu harmonizar a sensibilidade e a percepção com um sexto sentido estético, equipamentos que, mesmo fazendo parte da bagagem genética do poeta, só se aprimoram com leitura e exercício da escrita, somados ao sábios filtros da vivencia e do tempo.
Quanto à  temática da   sua  poesia, o título de um dos seus últimos livros  já referido – Afago e Faca – é  metáfora e síntese. Sem dúvida, a trajetória da poetisa tem se firmado sobre essas duas bem definidas vertentes. Solidários,
 o tema social ( faca) e o tema afetivo ( afago) se entrecruzam continuamente. Assim, sem conseguir compactuar com a injustiça social, ou com o desconforto emocional diante de uma realidade que agride os seus princípios cristãos, Celina toma a palavra, com energia e veemência:

Ouço o povo numeroso de Deus.
(...) Ouço as portas.
É o clamor do povo de Deus, abrindo-as. (pág.190)

Todavia, a  meu ver, a  grande força da sua poesia acontece nos poemas de tom elegíaco: aí cresce e se dilata, despindo-se do circunstancial e ultrapassando  limites geográficos  e temporais:

Tudo já aconteceu. Coloca a insígnia
(primado do sinal) sobre o meu peito
E um penso de amor sobre esta chaga.
Escuta o pássaro
Rolando
Como um jornal velho, rasgado,
A asa da ascensão cortada. Sua beleza
Guardarei sobre o meu corpo
Como um fruto
A que se tira a casca.
Mas
Dá-me um pouco da tarde onde ficamos.

(Publicado no jornal literário O PÃO, Fortaleza/Ceará, junho,1996)